Com três votos contrários, os deputados estaduais de Mato Grosso aprovaram nessa quarta-feira (19), em segunda votação durante sessão ordinária, o Projeto de Lei 1833/2023, de autoria do deputado Gilberto Cattani (PL), que altera a Lei 8.588, de 27 de novembro de 2006, que dispõe sobre o uso, a produção, o comércio, o armazenamento, o transporte, a aplicação e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins no âmbito do estado de Mato Grosso.
Votaram contra o projeto os deputados Wilson Santos (PSD), Lúdio Cabral (PT) e Valdir Barranco (PT). O PL 1833/2023, aprovado com o quarto substitutivo integral, busca regulamentar a utilização de defensivos agrícolas em todo o estado.
O quarto substitutivo, também de autoria do deputado Gilberto Cattani, estabelece diferentes distâncias mínimas para a aplicação de agrotóxicos e a regra varia conforme o tamanho das propriedades rurais, divididas em pequenas, médias e grandes.
Para as propriedades pequenas, a aplicação é liberada, independente da distância mínima de áreas protegidas, para as propriedades médias, a distância mínima é de 25 metros e para as grandes propriedades, distância de 90 metros de povoações, cidades, vilas, bairros mananciais de captação de água, moradias isoladas, grupamento de animais e nascentes.
Essas mudanças contrastam com o Decreto nº 2.283/2009, que estava em vigor em Mato Grosso e determinava que o uso de agrotóxicos na agricultura só poderia ocorrer a uma distância mínima de 300 metros de povoações, cidades, vilas, bairros e mananciais de captação de água para abastecimento da população.
Além disso, o decreto estabelecia distâncias mínimas de 150 metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais, e de 200 metros de nascentes, mesmo que intermitentes.
O deputado Gilberto Cattani, autor do projeto de lei, justifica a proposta argumentando que a distância mínima de 300 metros estabelecida pelo decreto anterior traz prejuízos à produção agrícola, à população e à economia, devido ao alastramento descontrolado de pragas agrícolas.
No entanto, especialistas alertam para os graves riscos que a medida representa para a saúde da população, o meio ambiente, aos produtores e até para a própria produção.
“Um dos resultados que nós vimos é que existe uma necessidade de manter uma zona segura, sem a aplicação de agrotóxicos em volta das áreas de preservação permanente, as APPs. Porque os agrotóxicos por si só, eles não controlam todas as pragas da paisagem. Nós sabemos que paisagens que tiveram uma aplicação de altos índices suscetíveis, ano a ano, de agrotóxicos eles selecionaram pragas mais resistentes. Então, é fundamental que se alinhe o controle biológico natural e resguardar uma faixa segura de APPs porque nós vimos que tem animais que são fundamentais para ajudar a controlar essas pragas junto com os agrotóxicos. Então, manter essas zonas seguras é fundamental para preservar a agricultura”, explicou o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Lucas Ferrante, durante audiência realizada na última terça-feira (18), que debateu o tema.
O médico, pesquisador e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Wanderlei Pignati, também ressaltou que a proposta é absurda, pois vai aumentar a exposição a venenos e ampliar a probabilidade da população ter doenças.
“Quanto mais perto, maior é a probabilidade de você ter intoxicação aguda, malformações, câncer. A população que mora do lado, crianças e adultos, os rios, tudo vai ser muito afetado e contaminado”, afirma.
Wanderlei Pignati é responsável por um estudo que analisou as condições de saúde de pessoas que moravam em distâncias inferiores a um quilômetro das áreas de lavouras em Mato Grosso. Por meio da pesquisa, realizada pelo Núcleo de Estudos em Ambiente, Saúde, Trabalho e Educação (Neast), do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da universidade, foi demonstrado que a proximidade de áreas agrícolas é um fator de risco significativo.
Pesquisas da UFMT e do Neast/ISC/UFMT, em parceria com a Operação Amazônia Nativa (OPAN), também demonstraram a relação entre o uso intensivo de agrotóxicos em lavouras próximas a territórios indígenas e a causa de graves problemas de saúde.
Além disso, foram encontrados agrotóxicos proibidos, como carbofurano, atrazina e carbendazim, nas lavouras. A exposição a esses produtos está associada a intoxicações agudas, doenças crônicas, como câncer e problemas neurológicos, e impactos ambientais severos.
O estudo ainda mostrou que as pessoas com residência próxima a lavouras agrícolas de milho e algodão tiveram quase duas vezes mais intoxicações agudas comparadas com as que residiam em outros locais.
O texto segue para sanção do governador Mauro Mendes (União Brasil).